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Como foi a operação, segundo o governo do Rio de Janeiro

Rose Castro 29 de outubro de 2025 Destaques Sem comentários
Como foi a operação, segundo o governo do Rio de Janeiro
A operação envolveu 2,5 mil agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro para cumprir cem mandados de prisão em uma área de 9 milhões de metros quadrados.

A ação foi classificada pelo governador do Rio, Cláudio Castro (PL), como “a maior operação das forças de segurança do Rio de Janeiro”, e faz parte da Operação Contenção — uma iniciativa permanente do governo do Rio contra o Comando Vermelho.

“Essa operação teve início com o cumprimento de mandados judiciais e uma investigação de mais de um ano e planejamento feito há mais de 60 dias”, afirmou o governador em coletiva de imprensa na manhã de terça.

Participaram policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE), de batalhões da capital e da Região Metropolitana, além de equipes da CORE e de todas as delegacias especializadas da Polícia Civil.

Segundo Cláudio Castro, mais de 100 fuzis foram apreendidos pelas Polícias Civil e Militar durante a operação. Uma grande quantidade de drogas também foi confiscada, de acordo com o governo do Estado.

Como consequência da ação policial, dezenas de escolas e universidades tiveram aulas suspensas na região metropolitana.

Houve também relatos de impacto no transporte público e ruas desertas em diversos locais durante a noite de terça.

Entre os presos na ação, estão acusados de liderar o tráfico de drogas sob o Comando Vermelho, como Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão.

Nicolas Fernandes Soares, apontado pelas autoridades como operador financeiro de um dos chefes do tráfico, também foi preso.

Os confrontos entre policiais e traficantes aconteceram majoritariamente em áreas de mata, segundo o governador, mas houve tentativas de criminosos de fechar vias da região, como a Avenida Brasil.

Na madrugada desta quarta-feira (29/10), a Prefeitura do Rio de Janeiro informou que não havia mais vias obstruídas em decorrência de retaliações do Comando Vermelho (CV).

Durante a manhã, os criminosos usaram drones para lançar bombas e atacar policiais. Também foram vistos fugindo em fila indiana da Vila Cruzeiro durante a operação.

Barricadas com veículos queimados também foram montadas por criminosos em diversos locais da cidade em represália à operação policial.

Em função dos bloqueios, o Centro de Operações e Resiliência (COR) do Rio elevou o estágio operacional da cidade para o nível 2, de uma escala de 5.

A Polícia Militar colocou em resposta todo seu efetivo nas ruas, suspendendo todas as atividades administrativas.

O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram nesta terça-feira explicações do governador do Rio de Janeiro sobre a operação policial, considerando, entre outros pontos, sua alta letalidade.

Os órgãos pediram que o governo de Cláudio Castro demonstre se não havia “meio menos gravoso” de atingir seus objetivos na segurança pública.

“[…] Esta Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e a Defensoria Pública do União solicitam a Vossa Excelência que informe detalhadamente de que forma o direito à segurança pública foi promovido, indicando as finalidades da operação, os custos envolvidos e a comprovação da inexistência de outro meio menos gravoso de atingir a mesma finalidade”, diz o ofício do MPF e da DPU.

O documento pede também que o governo fluminense demonstre ter seguido as deteminações do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635, uma ação apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) questionando a letalidade policial em comunidades do Rio.

A ADPF (sigla para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) gerou um plano de redução da letalidade policial apresentado pelo governo do Rio ao STF. O plano foi aceito pelo Supremo em abril.

No ofício dessa terça, o MPF e a DPU pediram que o governo de Cláudio Castro esclareça e comprove que seguiu pontos previstos no plano, como o uso de câmeras corporais por policiais; a apresentação de uma justificativa formal para a operação; e a presença de ambulâncias nos locais afetados.

Em entrevista coletiva durante a tarde, Cláudio Castro chamou a ADPF de “maldita”, afirmando que a ação do STF limitou a ação policial e favoreceu criminosos.

A ADPF, que ainda não terminou de ser julgada, passou nesta terça a ser relatada temporariamente pelo ministro Alexandre de Moraes — a função antes cabia a Luís Roberto Barroso, que acaba de se aposentar.

Ainda na terça, Moraes deu 24 horas para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre a operação no âmbito da ADPF.

O governador do Rio de Janeiro criticou mais cedo a ausência de apoio do governo federal — e depois suavizou sua postura.

“As nossas polícias estão sozinhas… Infelizmente, mais uma vez, não temos auxílio nem de blindados nem de agentes das forças federais, de segurança ou de defesa. É o Rio de Janeiro completamente sozinho”, havia dito Castro.

O governador afirmou que teve três pedidos negados para que as Forças Armadas ajudassem em operações policiais no Estado. Para esta terça, no entanto, o pedido a Brasília não foi feito.

“Nós já entendemos que a política é de não é ceder. Falam que tem que ter GLO [Garantia da Lei da Ordem], que tem que ter isso, que tem que ter aquilo, que podiam emprestar o blindado e depois não podiam mais emprestar porque o servidor que opera o blindado é um servidor federal. O presidente já falou que ele é contra GLO. A gente entendeu que a realidade é essa”, disse.

Mais tarde na terça, o governador fluminense disse que foi mal interpretado sobre sua fala sobre o Rio estar sozinho e ponderou que estava apenas respondendo à pergunta de um jornalista sobre se o governo federal estava participando da operação.

De tarde, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, havia dito que o governo federal nunca negou apoio ao Rio.

“Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro para esta operação, nem ontem, nem hoje, absolutamente nada…Nenhum pedido do governador Cláudio Castro até agora foi negado”, destacou.

Lewandowski pontuou que o governo federal tem ajudado o Rio de diversas formas, incluindo o fornecimento de armas e equipamentos e a recente transferência de líderes de facções para penitenciárias de segurança máxima.

Mas “a responsabilidade é dos governadores no que diz respeito à segurança dos respectivos Estados”, ressaltou.

O ministro da Justiça classificou a operação no Rio de Janeiro como “bastante cruenta”.

“Eu estou aqui à distância, tenho acompanhado pelos jornais. Foi uma operação bastante cruenta, segundo notícias… Lamentavelmente, morreram agentes de segurança pública e, pior ainda, pessoas comuns, inocentes. É de se lamentar isso.”

“Eu queria enfatizar que o combate à criminalidade, seja ela comum ou organizada, se faz com planejamento, inteligência, coordenação das forças de segurança.”

Segundo publicado pela coluna Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo, Lewandowski disse que Castro deveria “assumir suas responsabilidades” ou admitir que não tem condições de controlar a segurança do Estado.

“Se ele sentir que não tem condições, ele tem que jogar a toalha e e pedir GLO ou intervenção federal. Ou ele faz isso, se não conseguir enfrentar, ou vai ser engolido pelo crime.”

Em nota enviada à BBC News Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que tem atendido a todos os pedidos do governo do Estado do Rio de Janeiro para o emprego da Força Nacional no Estado, em apoio aos órgãos de segurança pública federal e estadual.

“Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da FNSP [Força Nacional de Segurança Pública] no território fluminense. Todas acatadas”, destacou.

O orgão ainda disse que mantém atuação no Estado do Rio de Janeiro desde outubro de 2023, por meio da FNSP. A operação segue vigente até 16 de dezembro de 2025 e pode ser renovada.

Crédito,ANTONIO LACERDA/EPA/ShutterstockLegenda da foto,Cerca de 2.500 policiais participaram da operação desta terça-feira

Segundo o grupo de pesquisa Geni/UFF, as três operações policiais mais letais documentadas ocorreram durante a gestão de Castro – além da atual, as outras duas foram a do Jacarezinho em maio de 2021, quando 27 civis e um policial morreram; e a da Penha em maio de 2022, quando 23 civis morreram.

De janeiro de 2007 a outubro de 2025, o Geni/UFF registrou 707 ações policiais com mortes na região metropolitana, que tiraram a vida de 2.905 civis e 31 policiais.

“Esses dados nos permitem constatar que as chacinas policiais são a regra e não a exceção no estado do Rio de Janeiro”, dizem os pesquisadores da UFF.

“Reiteramos que esta política de segurança pública centrada em operações policiais em favelas, além de implicar em altíssimos custos para a sociedade, há décadas vem se demonstrando ineficiente no controle do crime, incapaz de proporcionar a redução das ocorrências criminais e conter o avanço do controle territorial armado. A recorrência de incursões policiais armadas com tiroteios em territórios densamente povoados revela o descaso do Estado com a preservação de vidas negras e faveladas.”

Para a coordenadora de Comunicação da ONG Movimentos, Isabelly Damasceno, não é possível considerar que a ação da polícia tenha sido bem-sucedida.

“Infelizmente, as operações policiais violentas no Rio de Janeiro não são uma novidade para nós, que vivemos na periferia, mas não podemos naturalizar uma operação que matou mais de 60 pessoas. Essa estratégia do governo não pode ser vista como política de segurança, é uma política de extermínio. Uma operação que precisa matar 60 pessoas não é uma ação inteligente e nem efetiva”, destacou.

“A narrativa do governo faz acreditar que essa é uma ação de inteligência, bem-sucedida, porque vão divulgar o número de fuzis apreendidos, os mais de 80 presos. Mas é preciso questionar se uma operação que foi planejada há 60 dias contava em assassinar 60 pessoas. Será que não temos uma falha?.”

Para Damasceno, é importante considerar os impactos da operação na vida da população, que teve acessos restritos nesta terça-feira e “acordou em meio a tiroteios”.

“É uma desumanização total das pessoas que vivem nas periferias, que estão sendo impedidas de ir à escola, de andar em segurança, de voltar para suas casas. Como ficam os trabalhadores? Estamos falando de uma série de violações de direitos. Essa política proibicionista de drogas é cada vez mais violenta e menos efetiva.”

Em nota conjunta, um grupo de 27 organizações de direitos humanos, entre elas a Justiça Global, repudiaram a operação desta terça.

O texto qualifica a ação de “chacina” e diz que o episódio “inscreve-se em um longo e trágico histórico de matanças cometidas por forças policiais no Estado — apresentadas, equivocadamente, como política pública”.

“Ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas fluminenses foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de ‘guerra’ ou ‘resistência à criminalidade’. Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação”, prossegue o texto.

“Não há nela elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios. Pelo contrário: essas ações aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal. A morte não pode ser tratada como política pública.”

Em nota, o coordenador da entidade no Brasil, César Muñoz, afirmou que “uma operação policial que resulta na morte de mais de 60 moradores e policiais é uma enorme tragédia”.

“O Ministério Público deve instaurar investigações próprias e elucidar as circunstâncias de cada morte. Também deve apurar o planejamento e as decisões do comando da polícia e das autoridades do Rio que levaram a uma operação que foi um desastre”, continuou.

“A sucessão de operações letais que não resultam em maior segurança para a população, mas que na verdade causam insegurança, revela o fracasso das políticas do Rio de Janeiro. O Rio precisa de uma nova política de segurança pública, que pare de estimular confrontos que vitimizam moradores e policiais.”

Comando Vermelho


Crédito,ReutersLegenda da foto,Mais de 80 pessoas foram presas durante operação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro

O Comando Vermelho (CV) é a maior facção do Rio de Janeiro e, junto com o Primeiro Comando da Capital (PCC), está entre uma das maiores facções do país.

A facção surgiu dentro do presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, por integrantes da antiga Falange Vermelha que, na década de 70, lutavam pelo fim da tortura e por melhores condições.

O CV surgiu sob o lema “Paz, Justiça e Liberdade”, mas com o tempo se transformou em uma organização de crime organizado com foco no tráfico de drogas.

Na virada dos anos 70 para os anos 80, com o Brasil entrando na rota internacional da cocaína, o Comando Vermelho aproveitou o contexto para expandir seu poder.

Atualmente, embora continue fortemente atuante no Rio e nas prisões cariocas, a facção se expandiu nacionalmente e tem ramificações em diversos estados e até mesmo no exterior.

Segundo levantamento recente, o CV estaria presente nos 26 entes federados do Brasil.

No Rio de Janeiro, não há uma liderança principal. Cada um dos líderes comanda uma área específica.

Diferentemente do PCC, o CV não atua de maneira centralizada fora do Rio: suas unidades em outros Estados agem como franquias, sem precisar se submeter às ordens vindas do Rio.

Reportagem publicada pelo O Globo em 2024 mostrou que, nos últimos anos, o Comando Vermelho tomou controle ou influência em dezenas de localidades no Rio de Janeiro que até 2017 não tinham registros de domínio criminoso organizado.

Um levantamento do jornal identificou 89 localidades em 23 km² de expansão — equivalente a três vezes o tamanho de Copacabana.

Essa ofensiva não visa apenas o tráfico de drogas.

A facção exerce uma espécie de “governança paralela” com controle territorial, imposição de regras e até apropriação de funções sociais e econômicas como o controle de serviços de internet, TV, gás, transporte alternativo — práticas que antes eram características das milícias.




Tags: Política

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