O relatório da Polícia Federal (PF) sobre o inquérito que apura tentativa de golpe de Estado mostrou relação de membros do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. O documento aponta que aliados, como o tenente-coronel Mauro Cid – na época ajudante de ordens da presidência – sabiam da manifestação antes dela ser realizada.
O documento de 884 páginas alega ainda que o grupo elaborou estratégias para atrapalhar as investigações. Texto foi disponibilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, retirar o sigilo da investigação nesta terça-feira (26).
A repartição aponta que “os diálogos demonstram que já havia uma interlocução entre lideranças das manifestações antidemocráticas e integrantes do governo do então Presidente Jair Bolsonaro, por meio de militares ‘Kids pretos’, para dar respaldo e intensificar os movimentos de ataque às instituições”.
Mensagens encontradas no celular do tenente-coronel Sergio Cavaliere mostram troca de mensagens com Mauro Cid, em 4 de janeiro de 2023. Trechos do diálogo apontam que o ex-ajudante de ordens tinha ciência dos atos, quatro dias antes deles serem executados. Nas mensagens, Cavaliere pergunta se “ainda tem algo para acontecer”. Cid responde, mas apaga o conteúdo logo depois de enviar. Em seguida, Cavaliere questiona: “Coisa boa ou coisa horrível?”. “Depende para quem. Para o Brasil é boa”, responde o ex-ajudante de ordens.
Segundo a PF, conversas entre os investigados mostram que, mesmo após a não concretização do golpe em 15 de dezembro e a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o grupo ainda aguardava ações que pudessem “desencadear a ruptura institucional”. “Dessa forma, continuaram a monitorar o ministro Alexandre de Moraes e a incitar e subsidiar as manifestações antidemocráticas em frente às instalações militares, fato que culminou nos eventos violentos do dia 08 de janeiro de 2023”, aponta o relatório.
Na tarde de 8 de janeiro, Mauro Cid recebe da esposa, Gabriela Cid, foto dos atos golpistas. Em seguida, ela envia tweet antigo de Olavo de Carvalho que diz que a estratégia do STF é “estrangular o povo até que ele não aguente mais e parta para a violência” e, após isso, as Forças Armadas atuariam para conter a revolta popular e criar o “mais lindo estado de direito”. O militar então responde: “Dessa vez eu discordo. Se o EB (exército brasileiro) sair dos quartéis…é para aderir”.
O relatório mostra ainda que, após os atos golpistas, os investigados criaram estratégias para atrapalhar as investigações, inclusive com atuação de parlamentares bolsonaristas na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro de 2023. Um arquivo apreendido na residência de Mario Fernandes, na época assessor do deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ) detalha estratégias do grupo, chamadas de “ideias-forças”.
Um dos planos identificados consistia em atribuir a culpa dos atos ao governo atual. O objetivo era provocar um desgaste na gestão de Lula com afastamento de ministros e chegar a um impeachment do presidente.
Outra estratégia procura alegar abuso de poder por parte do STF e de Moraes, e cita comparação dos “patriotas” com os campos de concentração de judeus pelo regime nazista, estratégia amplamente utilizada na época. Os parlamentares bolsonaristas deveriam explorar as ideias durante a CPMI.